| — | Tati Bernardi |
segunda-feira, 7 de maio de 2012
“Ficar triste é sempre pela primeira vez. Já fiquei triste tantas vezes, mas nunca assim. Porque o “assim” de ficar triste é sempre pela primeira vez. Já fiquei mais triste do que estou agora, mas nunca tão triste.
Porque o “tão” de ficar triste, quando é tristeza mesmo, é sempre
arrebatador e assustador e é pela primeira vez. É sempre com o peito
virgem e assustado e infantil que ficamos tristes. É sempre com cinco
anos, com fome, nus, gelados, segundos antes de morrer de falta de
sentido por ter nascido. A tristeza é uma criança de rua com uma faca
apontada pra falta de amor que o mundo ofereceu pra ela. Uma meleca no
nariz que nenhuma mãe limpou se transformando nos olhos de um adulto
assassino. A tristeza é um pedaço de vidro numa mãozinha pequena. A
tristeza é um anjo que não arrumava ninguém pra poder agir como um anjo
e foi ficando bem diabólico. A tristeza é ter que comer um risoto caro, com amigos felizes, quando só se quer vomitar no banheiro de casa, sozinha. E triste.
Eu quero vomitar tudo. A água, a saliva, a língua, o seco da garganta,
a amígdala, o apartamento de milhões de metros quadrados vazios que
virou o meu peito. Quero vomitar minha pele, meus olhos, meu fígado,
meus horários, minhas listas de vontades. Eu quero tudo fora, tudo fora. Eu quero eu fora.
Eu quero ir pra fora de onde está tão devastado e de onde eu tinha
pintado tudo de azul pra te ver sentado bem no centro. No centro do meu
peito, você, com a luz azul da minha esperança. A tristeza me fez um
milhão de vidas essa semana. Um milhão de almoços e jantares e
projetos. Eu
sorrindo, implorando às distrações que me levem, que façam remendos em
meu peito perfurado pela violência do ar que não assovia mais os seus
sons. A tristeza me fez cortar o cabelo e pintar de loiro. E me fez
aumentar os pesos do pilates. E me fez prometer alguma sedução para
alguém que jamais receberá nada de mim. Não
existe nada mais triste do que essas coisas de dar a volta por cima e
essas coisas de tocar o barco e essas coisas de sacudir a poeira e
essas coisas medonhas que a gente fala ou pensa ou ouve. A tristeza
são frases vazias e feitas e tediosas saindo de bocas vazias e feitas e
tediosas.A tristeza me fez repartir o calmante no meio. Tomar um. E
tomar o outro. Porque nem calmante eu to suportando ver pela metade.
Que pelo menos no limbo da minha mente triste alguma coisa possa viver
inteiramente. A tristeza é uma parede, uma geladeira, um computador, um
telefone, uma televisão, uma cama, um elevador, um carro. A tristeza
são as ruas, os jornaleiros, as pessoas gordas atravessando, as pessoas
magras atravessando. A tristeza é o cinza, o vermelho, o azul, o
transparente. A tristeza é a próxima música, a próxima seta pra
direita, a próxima seta pra esquerda. A tristeza é o ar que sai e o ar
que entra. A tristeza é o segundo de ar que se perde e fica mais um
tempo. A tristeza é dizer que são cinco dias, são seis dias, são sete
dias. A tristeza é a nossa última vez juntos fazendo quinze dias, dezesseis dias, dezessete dias. A tristeza é o amor ter acabado sem ter acabado.
É não saber o que é amor e não saber o que é acabar e não saber o que é
não acabar. A tristeza só sabe que é triste e todo o resto ela só tenta
saber, mas fica louca e desiste. A tristeza é de uma simplicidade que a
torna ainda mais triste. A tristeza é qualquer posição sentada ou em pé
ou deitada. A tristeza é deitar e levantar. Tentar ou desistir carregam
a mesma tristeza das coisas que não existem. Minha pele toca no pano,
na água, na tela, uma mão toca na outra. Todos os toques são tristes.
Todas as posições são tristes. Amanhã será triste, ontem foi triste. Hoje é o dia mais triste do mundo.
É porque eu tenho medo de dirigir até o Morumbi no escuro? É porque eu
uso pijama feio pra dormir? É porque eu sou egoísta e louca e tenho um
dente torto? É porque eu ria de você e ria das suas coisas e ria das
suas músicas e ria de nervoso porque eu gostava tanto de você que
odiava você? É porque eu criei sete mil muros pra receber alguém mas
queria esmurrar até sangrar o seu único muro como se você também não
fosse humano? Ou é só porque é assim mesmo? Assim: finito, simples e triste demais.
Hoje elegi o mais triste de tudo. É o banquinho que guardava a sua
bolsa de carteiro e que não guarda mais nada. Ele agora é só o que era
mesmo pra ser: um banquinho. Limpo, solitário, imponente, em sua nobre
função de banquinho. Sua triste, desgraçada, branca, idiota e livre
função de banquinho.”
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